sábado, janeiro 15, 2011

Crônica 14


(foto: web)

A ESPERA

Como é difícil sintetizar os inúmeros pensamentos que vagueiam em nossa mente, para colocá-los num simples pedaço de papel! Às vezes sentimos essa extrema necessidade de fazê-lo, libertando tudo o que vai se amontoando dentro da nossa “cuca” ao longo do tempo.

Um dia desses, presenciei um fato curioso. Estava no meu carro estacionado em frente a uma garagem aguardando minha mulher, que tinha ido “rapidinho” à sua costureira próximo dali, experimentar uma roupa já encomendada. Nesse “tempinho” de espera, que demorou nada menos que trinta minutos, de dentro do carro eu observava o que acontecia no mundo de fora, como um mero espectador.

Naquele panorama dinâmico algo chamou minha atenção: um garoto, aparentando ter uns nove anos – podendo ter até mais, diante da subnutrição que afeta as crianças humildes do Brasil – brincava com um carrinho em frente ao portão aberto de uma casa pobrezinha. Sempre que percebia alguém passar, o menino olhava rapidamente como se esperasse ansiosamente por algo, mesmo envolvido na sua brincadeira solitária.

Mas a aflição do menino pareceu ter chegado ao fim, com o surgimento de um homem descamisado, meio afoito e por volta dos seus trinta anos, que pedalava uma bicicleta bem gasta, enferrujada, que originalmente deveria ter sido vermelha. O garoto abriu um largo sorriso para o tal sujeito - que me pareceu ser seu pai - quando viu na mão deste uma roda sobressalente de bicicleta. Ao entrarem pelo portão da casa, com a bicicleta e a roda extra, ambos sumiram como um raio.

Já acomodado na minha longa espera, fui despertado da minha contemplação alheia por uma estridente buzina. Era uma Kombi branca querendo, com todo direito, entrar na sua garagem, a que eu bloqueava com meu “carango” por não ter achado uma vaga decente para estacioná-lo. Isso explica o motivo deu ter ficado o tempo todo dentro do meu automóvel. Como num impulso, acionei o motor do meu veículo, e fui dar uma volta no quarteirão, pois nada de minha esposa. Diante desse novo fato, já nem me lembrava do tal garoto no portão.

Novamente, voltei a parar na frente da tal garagem. Ainda não havia vagas disponíveis na estreita rua da costureira. Comecei a ficar incomodado com aquela situação, não só pela demora de minha mulher, como também pela possibilidade do motorista da Kombi resolver sair da sua garagem e criar alguma confusão. De repente, algo me surpreendeu: o garoto e seu “pai” saem pelo portão da pobre casa guiando uma carrocinha, que levava uma panela esfumaçante e uma placa com os dizeres "milho cozido". Ambos tinham um semblante que exprimia um misto de alívio e satisfação. Ao passarem pela minha janela, o homem acena com a cabeça me cumprimentando, já o garoto, só olhava para frente, inebriado com todo o seu orgulho de trabalhador.

Percebi então que toda a aflição do menino fora pelo dia de trabalho que ambos poderiam ter perdido, e pelo prejuízo do milho possivelmente pronto na panela, caso o pneu da carrocinha não tivesse sido reparado a tempo. Fiquei sensibilizado e feliz pelo desfecho do simples e interessante acontecimento do qual fui testemunha. Sorria para o nada... Quando fui surpreendido por minha mulher, que calmamente entrava no carro, achando talvez que eu nem tivesse ficado aborrecido com a tamanha espera que ela me proporcionou. Aí está mais uma dessas ironias que a vida nos prega...

(texto: Mario Gordilho)

Música: "O Circo" - de Sidney Miller, por Marília Barbosa (1977)

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabens pelo texto,simplesmente real.

MARIO GORDILHO disse...

Obrigado!