domingo, dezembro 25, 2011

Crônica 24


(foto: web - "Montagem Mario Gordilho")

CENAS DE UM NATAL

Da varanda do meu apê podia ver a tamanha felicidade daquela garota correndo nos campos da Geórgia. Vivien estava radiante, e isso me contagiava. Larguei um frouxo sorriso enquanto a observava indo desenfreada em direção ao pai.

Logo em seguida, num acampamento de ciganos, Ava dançava sedutoramente atraindo todas as atenções. Deu aquele sorriso acompanhado do olhar de felina. Para mim? Bom, retribuí instantaneamente enquanto ia em direção à mesa dar os últimos retoques para a minha ceia de natal.

No bar ali em frente ouvia gostosas gargalhadas enquanto acendia as velas que decoravam a mesa natalina. Garbo as soltava, como nunca fizera antes, para um Melvyn surpreso com a estranha atitude da companheira. Isso tudo só ia alimentando com alegria o meu espírito.

Fui à janela do meu quarto para vê se os meus convidados estavam chegando, que demora! Estava ficando preocupado quando, de repente, distraí-me com aquela loira saracoteando seu vestido branco plissado sobre a ventilação de metrô de Nova York. Era Marilyn, sensual como nunca, e feliz da vida, hipnotizando com seu sex appeal tanto o vizinho Tom Ewell, quanto a mim.

Voltei à sala para escolher uma música bem animada de clima natalino e amenizar aquela espera que já começava a ficar angustiante. Nenhum dos meus quatro amigos ainda havia chegado. De repente desconcentrei ao ouvir uma voz: “Play it again, Sam”. Virei e dei de cara com a mais bela de todas. Ingrid estava extasiante naquele restaurante do Marrocos. O Boggie, assim como eu, comoveu-se ao escutar novamente aquela canção. Contemplamos aquela visão por um instante. O amor ressuscitava ali.

Desliguei o forno para não tostar o tender que assava. Dei uma mexida na farofa de nozes e frutas cristalizadas, ainda na panela. O Arroz tava pronto e vinho tinto, seco e gelado, à mesa. Abri a garrafa e enchi uma taça. Cortei um pedaço de panetone para enganar o estomago. Nada de ninguém, aliás, havia uma festa na vizinhança, um verdadeiro baile. Da minha sala dava pra ver aqueles dois valsando no terraço do palacete. Audrey e Holden, um casal altamente sintonizado! Senti inveja daquele amor.

O telefone tocou, fui correndo atender. Era a Ângela esposa do João, o casal de amigos que esperava pra ceia, dizendo que não poderiam mais vir. Horas atrás a mãe de João havia sido hospitalizada com suspeita de infarto. Fiquei duplamente triste, pela senhora e pela redução do meu já pequeno número de convidados. Fazer o que? Ainda tinham mais dois por vir. Agora começavam gritos, discussões da pesada entre marido e mulher. Liz e Burton se odiando e se amando na frente dos seus próprios convidados. O famoso casal andava meio depressivo, mas ainda havia a chama acesa do amor entre eles. Todos sabiam disso. Terminaram a briga num silêncio profundo, mas irritante para mim.

A fome começou a me consumir. Fui à cozinha, cortei o tender já meio frio, assim como o arroz e a farofa. Pus um pouco de tudo no prato e enchi novamente a taça de vinho, agora quente. Agora escutava um tango, um longo e melancólico tango! Sentado em meu sofá, dividi a minha companhia com Miss Swanson, deitada em sua chaise longue no meio do salão deserto de sua macabra mansão hollywoodiana. Pelo menos a minha angústia não era solitária. Como aquela deusa, eu também me sentia esquecido.

A minha tristeza aumentava, já era quase meia-noite e nada de Marco e Jorge. Eles gostavam de uma cachacinha e disserem que iam passar na casa de outros amigos, antes de virem para minha ceia. Provavelmente se embebedaram e se esqueceram do nosso compromisso. Do canto da sala via o mar, e lá um barco solitário com o velho Spencer à deriva. Sentia-me pior que ele na minha solidão.

Acordei de um breve cochilo no sofá com aquela cantoria natalina de crianças homenageando a refinada Deborah, que havia se acidentado recentemente próximo do Empire States. Por um momento pensei que cantavam para mim. Antes que fosse tarde demais, o Grant também apareceu-lhe para uma visita. Ambos se abraçaram e se beijaram sem remorsos. Fiquei feliz por eles. Sorri novamente. A fita acabou. Desliguei a tv. Apaguei as velas e as luzes do pisca da árvore. Fui pro meu quarto dormir. Mais um natal se passou, enfim.

(texto: Mario Gordilho)

Música: "Summertime" (de George Gershwin), por Ella Fitzgerald e Louis Armstrong (1957)

2 comentários:

Luiz Antonio disse...

Você está de parabéns pela organização do site. Rapaz, você escreve muito bem. Gostei das músicas que acompanham os textos, bem coerentes e escolhidas inteligentemente. Vou até aproveitar uma das Crônicas e levar para dar aulas. Fique tranquilo, rigorosamente, citarei a fonte. Ok!?

MARIO GORDILHO disse...

Luiz,

Obrigado pela atenção, elogios e carinho... Estes gestos sempre nos fazem bem pro ego e só nos estimula a escrever mais e mais.

Abração,

Mário