sábado, julho 23, 2011
Crônica 21
(foto: Isaque Neves - "Lisboa, Portugal")
BALÃO PERDIDO
Na calçada da rua voava um balão verde. Saltitava e rodopiava numa incessante luta contra o sopro do vento. Olhando aquela cena reportei-me a meus filhos. Balão lembra criança, como os meus ainda são. Se eles estivessem ali comigo, iriam querer pegar aquele balão. É quase instintivo uma criança correr atrás de um balão voando na rua. Talvez pela ventura da conquista, ou pelo prazer de “adotar” algo sem dono.
Eu continuava mirando o balão. Aquele balão perdido e solitário. Eu me sentia como ele, perdido e solitário. Minhas crianças estavam longe de mim. Queria estar perto delas, mas no nosso último encontro a coisa não correu muito bem. Elas vivem com a mãe, em nosso comum acordo. Ficam comigo em finais de semana alternados, mas como já dito, o último não foi bom. Tive que devolvê-las à mãe, ainda antes do término do nosso fim de semana.
Para se conquistar plenamente uma criança, tem que haver um maior convívio com ela. Algo contínuo e constante. Eu não tenho isso com as minhas. Filhos precisam da mãe, mais do que do pai, isso é natural. A maternidade é mais poderosa do que a paternidade, desde as suas origens. O pai tem seu papel, mas não substitui o da mãe. Para relacionar-se com seus filhos, o pai necessita de tempo e oportunidade, já com a mãe, a interação começa na gestação. É vivenciando que o pai tem a chance de mostrar-se para as suas crianças. De expor-lhes seu caráter e conhecer os delas. De enxergar-se nelas e fazer com que elas se enxerguem nele. Curtos encontros quinzenais dificultam isso, ainda mais quando a mãe não colabora. Quando os pais não se entendem, mesmo separados. Quando a mãe contribui para desconstruir a imagem do pai, ou vice-versa. Quando existe um pai postiço para acalentá-las, substituindo o pai de sangue. Tudo isso só provoca um crescente afastamento entre pai e filhos.
Quando acontecem meus encontros esporádicos com as minhas crianças, elas já chegam repletas de obrigações. As tais responsabilidades da vida. E num habitat diverso do que elas estão acostumadas a viver, até se adaptarem, o fim de semana já chegou ao fim. Minhas crianças não conseguem mais viver comigo. Minhas crianças, doces e alegres crianças, ao meu lado se tornam estressadas e agressivas e, por mais amor que eu tenha e possa lhes dar, também tenho que mostrar-lhes uma firmeza rapidamente improvisada, para saberem me respeitar. Sofro com isso e elas também. Estou perdendo as minhas crianças, que logo estarão deixando de ser crianças.
Espero que nos curtíssimos átimos de tempo que temos convivido, esteja conseguindo lhes passar um pouco do meu caráter. Tenha conseguido lhes ensinar a respeitar qualquer pessoa. Tenha conseguido lhes mostrar que a vida também é dar risadas. Tenha conseguido estimular seus sensos criativos e artísticos. Tenha conseguido lhes fazer apreciar a arte além da imagem, como meio de expressão, fazendo-os enxergar num mero filme antigo, em preto e branco, com medíocre qualidade visual, o grande teor criativo e emocional ali presente.
Hoje me sinto como aquele balão verde, zanzando só e perdido no tempo e no espaço, esperando que as minhas crianças apareçam e corram até a mim. Desejando que me agarrem com suas mãozinhas e que me levem consigo, repletas de orgulho por estarem comigo, seu pai, para sempre...
(texto: Mario Gordilho)
Música: "Ao Que Vai Chegar", Toquinho (1984)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
6 comentários:
Querido Mario é uma pena quando um dos pais nao consegue enxergar a importância de se manter um laço mínimo de cordialidade com o outro cônjuge em respeito ao laço eterno que são os filhos. Fiquei emocionado ao ler sua crônica pois percebo pelos seus textos o quão sensivel e inspirador deva ser a sua personalidade, tenha certeza de que seus filhos têm muita sorte em ter um pai que estimule as artes pois muitos não tem a mesma chance, digo por mim mesmo que fui podado desde criança e me vejo um adulto responsável e trabalhador que sempre se pergunta se realmente é feliz. Torço para que você tenha a oportunidade de se encontrar mais com seus filhos e peço que tenha calma pois quando vamos crescendo conseguimos analisar melhor as coisas e espero que seus filhos enxerguem esse ser humano encantador que você deve ser, pois a sensibilidade de todo artista em sua obra entrega muito de seu ser. Att: Diego de Santana
Oii Amigo,essas coisa entre pais e filhos separados,acontecem muito,nao se entristeça por isso o tempo se encarrega de mostrar,td,que gostaríamos de faser pelos filhos, que infelizmente por uma razão ou outra,não fizemos, eu bem posso lhe dizer isso,em relação a meu filho,aconteceu coisa semelhantes,mas o tempo se encarregou,de mostrar-lhe as minhas razões e ele ja c/16 anos começou a ir sózinho a minha casa,dai p/frente td foi esclarecido e hoje nos damos muito bem,c/vc no tempo certo vai acontecer o mesmo acredite,bjos.
Obrigado pela força, amiga... mas as coisas estão se resolvendo... beijão
Mario, vivo o outro lado da moeda,e sem que esperássemos, meu filho aos dezessete anos, por livre e espontãnea vontade, se mudou de mala e cuia pra casa do pai, "desconsertou" tudo, e está nos dando uma lição.
Temos que estar sempre atentos a mudanças. Eles serão sempre nossos, mas com suas vidas próprias. O diálogo pode resolver atritos ou, ao menos, amenizá-los. Por aqui, graças a Deus , as coisas melhoraram, mas do amanhã niguém sabe. Nós pais temos que estar sempre conscientes de que nossos filhos também são para o mundo, e nós sabemos que os preparamos para isso: Uma faca de dois gumes.
"Feliz dia dos pais"!
Postar um comentário