domingo, setembro 08, 2013

Crônica 20

(foto: web)


ZÉ E AS LOIRAS

Estava ele, o Zé, agachado na décima terceira laje de um prédio em construção de frente por mar, levantando uma alvenaria de tijolos... Bem naquela manhã ensolarada... Uma verdadeira miragem... O mar azul, a areia branquinha da praia, o sol radiante e aquelas duas loiras solitárias, verdadeiras sereias à beira da praia. Contemplava Zé, lá de cima, enquanto tocava seu trabalho.

De repente, Zé se levanta, desce no elevador adaptado da obra, passa por seus colegas de trabalho, e pelo seu encarregado, como se não estivessem ali, atravessa a rua, pisa na areia fofa da praia, tira o capacete, as botinas, o macacão, e só de calção caminha em direção ao mar. Para a alguns metros da água, mirando aquele azulão-esverdeado. Arruma a sua roupa com cuidado, formando uma trouxa e a coloca sobre a areia. Olha para os dois lados e vê as duas loiras que antes admirava do alto do prédio. Agora as belezas estavam bem ali ao seu lado, cada uma a cerca de quatro metros dele. Uma à sua esquerda e outra à sua direita. Zé se deita na areia, descansa a sua cabeça sobre a trouxa, e se estira fitando sol radiante naquele céu azul... Abre um sorriso de plena satisfação, sentia-se no paraíso...

José Pedro da Silva era nascido no recôncavo baiano. O “Pedro” do seu nome era pela devoção que seu falecido pai tinha a São Pedro, o pescador, a mesma profissão que exercera e que almejava para o seu filho Zé, para não quebrar a tradição da família. Mas Zé, rebelde como era, saiu da sua vila para o mundo. Desceu para o sudeste aos 16 anos. Lá começou como ajudante em bicos de obras de reforma, e rapidamente qualificou-se como pedreiro, sendo contratado por várias construtoras. Sagaz foi o rapaz em sua escalada profissional. Aos 19 anos conheceu Meire, aos 22 casaram-se e logo nasceu o único filho Zezinho. Hoje aos 42 anos, Zé estava só. Meire o abandonou fazia dois anos, levando consigo o filho. Desde então Zé vivia numa tristeza infinita, apenas dedicando-se ao seu trabalho, com a vaga esperança de ter de volta a sua mulher e o seu filho “sua felicidade perdida”, frase que sempre repetia para os seus amigos operários.

Mas naquele dia Zé estava estranho. Estava no mundo da lua, ou melhor, do sol. Não tava aí para nada nem para ninguém. Seus companheiros de trabalho já haviam notado o seu comportamento esquisito desde a entrada no serviço. E agora, com a sua ida repentina à praia, toda a obra se tornou um alvoroço só. O encarregado não sabia que atitude tomar diante daquele atrevimento do seu subordinado em pleno horário de expediente.

E na praia Zé continuava deitado de cara pro sol, com seu calção de nylon preto, do tipo de jogador de futebol, mas bem surrado. Nunca vivera uma situação daquelas. Ele e as “suas” loiras num cenário paradisíaco.

– As danadas são boazudas! – Pensava para si. – Olha aquela mais magra com o biquini fio dental cor-de-rosa! E a outra mais rechonchuda com o fio dental azul! – Delirava Zé, entre aquelas visões esplêndidas.

De repente ouve-se algo:

– Moço! Moço! – Era a loira magrinha chamando Zé – O senhor pode olhar minhas coisas, rapidinho, enquanto mergulho? – Completa ela.

– Sim, sinhora! – Responde Zé assustado, mas satisfeito em atender um pedido da dona. Ele vira o rosto e vigia como um cão os objetos da moça.

Em poucos minutos ouve-se outra voz:

– Ei! Tudo bem? Como você se chama? – Pergunta a outra loira, a mais gordinha, ao rapaz.

– Sô Zé. – Responde o homem novamente assustado, e preocupado por ter que desviar os olhos das coisas da outra.

– Zé, sabe o que é? É que tô querendo me molhar. Pode passar a vista na minha bolsa, logo ali? Volto Já. – Pede a moça sorridente.

– Craro, mas é qui... – Sem esperar a conclusão da resposta a moça agradece e corre para a água.

Zé fica atônito olhando para os dois lados como um fiel sentinela, mas também olhava para frente, pois não conseguia resistir seu desejo e deixar de admirar aquelas duas sereias se banhando naquele mar azul. Elas se aproximam uma da outra e começam a conversar embaladas no suave balanço das ondas. Aquilo parecia um sonho para Zé...

E assim a Zé ficou guardando as coisas das duas loiras quando é novamente surpreendido:

– Ei, Zé! Vem pra água com a gente, vem! A praia tá vazia mesmo... Olhamos nossas coisas de lá. Já até falei com minha amiga, aquela outra moça lá na água, e por ela tudo bem. – Disse a loira mais gordinha ao rapaz, apontando para a outra na água.

Zé, no primeiro instante, pensou em recusar o convite, morto de vergonha, mas logo se encoraja e acompanha a moça até o mar.

O mar... Que maravilha!... Zé e as “suas” loiras naquele azulão. Rapidamente o trio se entrosa e começa a brincar como inocentes crianças. Soltavam risos pra todos os lados. As loiras subiam em Zé e pulavam dos fortes ombros do moço. Davam belas cambalhotas. Ele delirava com aquilo, e recordava os tempos de moleque, quando brincava com seus amigos na sua vila natal. Até pensava que seu pai deveria estar satisfeito lá de cima vendo seu filho ingrato de volta ao mar, e ainda mais bem acompanhado. – Será que ele me perdoaria agora? – Pensa Zé sorridente. Toda aquela cena só irradiava uma felicidade interminável. Zé parecia ter retomado a sua plena alegria de viver...

Ouve-se uma sirene. Parecia a da obra acusando a pausa do trabalho para o almoço, mas não era. O som vinha de uma ambulância que acabara de estacionar em frente ao prédio em construção. A equipe de emergência deixa o veículo e se dirige a um grupo de pessoas reunido na praia.

– Por favor, alguém pode me informar a quanto tempo este homem está aqui? – Pergunta o médico que integrava a equipe da ambulância.

– Seu dotô, esse homi trabalha na minha obra. Naquele prédio logo ali atrás. Sou o encarregado. Eu que chamei ocês proque faz mais de três hora que ele não se mexe. – Relata o encarregado da obra. – Chegou cedo, desceu pra praia, que estava deserta, deserta, sem uma alma penada, e deitô aí sozinho olhano pro céu de Jesus. – Completa o velho com ar de preocupação.

O médico se abaixa e tira a pulsação de Zé.

– Senhor! – O médico dirige-se ao encarregado. – Ele está morto faz mais ou menos três horas, comunique imediatamente aos seus familiares e aos responsáveis da construtora. Vamos remover o corpo. Sinto muito. – Orienta o médico serenamente.

– Pelo meno o coitado morreu feliz! Parece inté que sisqueceu de toda a tristeza que tinha na alma. Óia só a cara dele! – Lamenta o encarregado, apontando para o rosto de Zé, que apesar de morto mantinha na face uma expressão de quem estava sorrindo.

(texto: Mario Gordilho)

Música de Fundo: "Periga Ser" Robertinho Recife e Fausto Nilo , por Amelinha (1982 )

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