domingo, maio 08, 2011
Crônica 19
(foto: web)
MERCEDES NO SURUBIM
Era início de tarde de uma atípica segunda-feira, final de feriadão. Um grupo de pessoas estava reunido num restaurante muito freqüentado de Belo Horizonte: o “Surubim na Brasa”. Pitoresco local apreciado por sua peculiar culinária, e em especial pelo prato que batiza o estabelecimento.
Os clientes, apesar da aparente preguiça (ou ressaca), se entretinham com prosas dos ocorridos ao longo daquele feriado que terminava, fazendo jus ao habitual costume mineiro. Um público diversificado e descontraído ocupava as várias mesas espalhadas pelo calçadão que rodeava o lugar.
Quebrando a tranqüilidade que pairava no ar, um veículo se aproximava. Era uma Mercedes Benz prateada, último modelo de fabricação. A “máquina”, além de possuir um belo design, tinha um tamanho descomunal, despertando a curiosidade dos mais distraídos espectadores.
Mas não foi só o avantajado tamanho da Mercedes que atraiu os olhares dos freqüentadores do Surubim. Havia algo peculiar no carro, o seu pneu dianteiro direito estava vazio.
Aquela visível situação incomodou a todos (tantos os clientes, como os empregados do recinto), principalmente porque quem ocupava o automóvel um casal de idosos. Apesar de todo bem estar e elegância que os dois velhinhos esbanjavam, permitida pela boa condição social que aparentavam ter, era óbvio que aquele pequeno infortúnio seria um grande transtorno para ambos, justificando a aflição da platéia no restaurante.
Todos imediatamente apresentaram um semblante misto de acanhamento e preocupação. Acanhamento pela imponência que Mercedes exalava e que inibia qualquer um de se aproximar para socorrer o casal; e preocupação por saber que os frágeis anciões, sozinhos, não dariam conta da troca do pneu vazio. Um sentimento de angústia pairou no tão famoso “Surubim na Brasa”. Todos apreensivos queriam saber como seria resolvido o tal problema do pneu, mas apenas como espectadores, pois ninguém se manifestava.
Até aquele momento, os velhinhos da Mercedes desconheciam o que já era assunto de todos no bar, pois estavam entretidos com outra dificuldade, que era a de estacionar o enorme automóvel em paralelo ao passeio em frente ao Surubim. Repentinamente, uma mulher transeunte quebrou a barreira do status glamoroso da Mercedes, e avisou ao casal sobre o estado do pneu, continuando, em seguida, a sua caminhada acelerada. A senhora da Mercedes fez um ar de espanto comentado algo com o marido. O senhor da Mercedes saiu do veículo para inspecionar o dano, mas sequer se afligiu, apenas ficou pensativo. Ele era alto, magro com um porte elegante e um semblante tranqüilo, apesar do visível estrago que o tempo lhe fizera. Ela era uma dama, muito sofisticada e bem tratada, mas com um ar de esnobe.
A senhora deixou a Mercedes em puro estrelismo, como se nada a estivesse afetando. Desfilou com o nariz empinado até a lua, que já apontava no céu àquela hora da tarde. Dirigiu-se a uma mesa, previamente reservada para o casal, e sentou-se aguardando seu esposo solucionar o pequeno empecilho, resistindo deixar-se abater com a situação, para não perturbar o romântico almoço com seu marido.
O senhor da Mercedes rapidamente conseguiu um candidato para trocar o seu pneu. Um mulato alto, magricela e mal trajado num estilo rastafári. O sujeito, com a maior disposição que já tivera na vida, que transcendia até as suas forças físicas, visivelmente comprometidas diante da sua aparente desnutrição, começou a operação de troca do pneu. O velho então se dirigiu à sua mesa para acompanhar a sua esposa ao almoço, mas de vez em quando dava uma discreta espiadela no trabalho do seu ajudante, temendo que o mesmo lhe causasse um estrago maior na sua valiosa máquina.
O homem se desdobrava no trabalho. Talvez tivesse tido a errônea impressão de que tiraria de letra aquela situação. Os garçons do restaurante resolveram interceder no serviço do pobre rapaz, ao notarem a sua dificuldade. Talvez até por ordem do dono do estabelecimento, para evitar maiores danos na Mercedes, o que poderia resultar em uma grande confusão, prejudicando seu negócio. Além do mais, aquele automóvel não era um carro comum e por tanto, até uma simples troca de pneu exigia certas habilidades.
Após uma hora de operação, o rapaz conseguiu concluir a sua tarefa com êxito, sinalizando para o seu “patrão”. Apesar da árdua missão, e de uma platéia nada discreta, o moço não se intimidou, pelo contrário, sentiu-se a estrela do show por sua boa ação para com o casal de idosos “cheio da grana”. Ao perceber o sinal do ajudante, o dono da Mercedes caminhou em sua direção para fazer o acerto dos serviços prestados:
- Filho, quanto te devo pela troca do pneu? – Perguntou o dono da Mercedes ao rapaz.
– Ah, patrão! O senhor é quem sabe. Uns dez ou quinze real, acho que paga. – Respondeu o rastafári ao velho.
O senhor então retirou do bolso da calça de linho branco um maço de cédulas, em sua maioria de cem reais, e entregou ao homem uma notinha de cinco. Este pegou a nota com um sorriso forçado. O velho então fez uma observação:
– Filho, me faz o favor de trocar esta cédula. Você fica com dois reais pra você, e o resto você pede ao garçom para devolver-me à minha mesa. Muito obrigado! - Dá um tapinha no ombro do rapaz e volta para o restaurante.
O homem, com certo ar de decepção, não deixou a bola cair e foi providenciar o troco, mas a platéia sentiu-se indignada com a mesquinhez do velho. Um deles comentou ao companheiro de mesa:
– Ah! Agora tá explicado porque aquele velhote vem comer surubim de Mercedes...
(texto: Mario Gordilho)
Música: "It Had to Be You" - Sammy Kaye (1958)
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