domingo, junho 06, 2010

Crônica 01


(foto: web)

CHOPP COM ÍDOLO

Esse lance de interação virtual nas ondas da net provoca, às vezes, coisas deveras absurdas na vida da gente. Passamos a conhecer inúmeras pessoas nesse constante e dinâmico círculo de amizades virtuais, a cada instante, de lugares cada vez mais exóticos, e por variados motivos. Venho mantendo contato com certa persona, ultimamente “na virtu”. Bom, me parece ser a própria persona. Gente vip mesmo! Mas não descarto a chance de tratar-se de um fake da própria. De qualquer forma, para uma amizade cibernética, é indiferente ser um ou outro, afinal de contas tudo não passa de uma relação abstrata.

Num certo dia surgiu a oportunidade, ainda que remota, de conhecer a cidade onde essa persona (que passarei a chamar de meu ídolo) vive. Saibam que em nossos esporádicos diálogos – apesar de curtos, corteses, distantes e de não passarem de uma mera troca de mensagens – existe algo profundo: a sinceridade. Desde a primeira mensagem que troquei com meu ídolo, percebi que se tratava de uma pessoa sincera, franca, educada, íntegra, enfim: de grande caráter. Isso me atrai nas pessoas, em qualquer pessoa (sendo vip ou não), e talvez isso tenha sido o motivo principal para ter me focado nele, especificamente, pois possuo outros ídolos... e, certamente, ele, inúmeros fãs. Voltando à possível viagem ao Rio de Janeiro, onde meu suposto ídolo reside, eu, num dado e impensado momento, resolvi indagar-lhe sobre coisas interessantes da sua cidade, que nunca conheci como adulto (a última vez em que estive no Rio tinha apenas 9 anos). Gostaria de saber dele sobre as baladas do lugar, dos points, restaurantes, de algo interessante de lá que ele me recomendasse... e no embalo – talvez por agradecimento antecipado das sugestões que receberia, ou talvez inebriado pelas névoas das ondas virtuais... talvez por tudo isso junto, e me esquecendo de que a nossa relação era de fã versus ídolo – acabei por convidá-lo a tomar um chopp quando estivesse por lá.

Veio a resposta (que nem precisava ter vindo)... ai ai ai... mas veio a resposta! Uma resposta de ídolo. Caí, machuquei, despertei, analisei, perdoei e concordei. Um ídolo raramente sai para tomar chopp num lugar comum, são convidados a ambientes reservados. Um ídolo raramente sai com estranhos, podem ser sequestrados, chantageados ou até difamados. Um ídolo nunca sairá com seu fã, pois certamente quebrará a magia que o torna ídolo... descerá ao mundo dos mortais e, sendo assim, deixará de ser um ídolo, pelo menos para seu fã.

Apesar dessa sutil, camuflada e educada desfeita (via mensagem mesmo) por parte de meu ídolo, eu o agradeço pelo seu gesto inteligente e mensurado, por sua atitude de ídolo, o que ainda o faz ser idolatrado por mim, mantendo-o no seu merecido pedestal. Estabelecendo-se definitivamente como meu ídolo... e eu como seu fã.

Espero um dia, quem sabe talvez, que esse meu ídolo perceba que também possa ser um homem comum, que precise ser um homem comum, que possa acreditar em pessoas comuns (ou até em seus próprios fãs, que também são homens comuns), que talvez não necessite mais manter-se tão em cima do pedestal merecido, que talvez precise descer um pouco para descontrair, relaxar, dar risadas sobre as coisas banais da vida... e assim, nesse novo âmbito, a gente possa tomar o tal chopp num mero botequim de frente pro calçadão de Copacabana... mas mesmo assim, ainda não será desta vez, eu não estou no Rio, pois aqui faz sol, e lá tá frio... e não se toma chopp no frio...

Com a eterna e esperançosa gratidão de um fã!

(texto: Mario Gordilho)

Música: "Amigo É Pra Essas Coisas" - de Silvio Silva Júnior e Aldir Blanc, por MPB4 (1970)

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